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Seguradoras começam a se preparar para o IFRS 17

O mercado de seguros brasileiro já se prepara para aquela que, segundo especialistas, pode ser a principal mudança no modelo de gestão no setor. Publicada em maio de 2017 e amplamente estudada e discutida ao longo de quase 18 meses, a nova norma intern

O mercado de seguros brasileiro já se prepara para aquela que, segundo especialistas, pode ser a principal mudança no modelo de gestão no setor. Publicada em maio de 2017 e amplamente estudada e discutida ao longo de quase 18 meses, a nova norma internacional IFRS 17 traz uma série de novidades para a contabilização de contratos de seguros.

Um dos mais novos Padrões Internacionais de Relatórios Financeiros (em inglês, International Financial Reporting Standards), o IFRS 17 é tido como uma das consolidações de diretrizes mais complexas dado o tempo que levou sendo discutido pelo IASB (International Accounting Standards Board), organização responsável pela elaboração dos pronunciamentos. A discussão, elaboração, revisão da norma levou em torno de 20 anos.

O tempo para publicação da norma é proporcional à sua complexidade. A norma vem para substituir o IFRS 4, que permitia uma série de políticas contábeis diferentes de acordo com as jurisdições dos países, resultando em falta de comparabilidade, até mesmo dentro dos grupos de seguradoras.

As alterações são tão significativas que até mesmo o plano inicial de chamar a norma de IFRS 4 - Fase II caiu por terra e optou-se por dar uma nova numeração, como acontece normalmente com os pronunciamentos inéditos. De acordo com o coordenador do Grupo de Trabalho de Seguradoras do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Roberto Paulo Kenedi, há algum tempo não havia uma norma que iria provocar transformações tão representativas nas organizações seguradoras. "Não se trata simplesmente de fazer uma adaptação. Se observarmos o próprio normativo do IFRS 17 na sua versão original, em inglês, iremos nos deparar com 114 páginas de explicações. Só isso já demonstra as dificuldades", exemplifica Kenedi.

O IFRS 4 foi criado com o intuito de ser uma norma transitória. Ele aceitava as diferentes práticas e trouxe alguns requerimentos específicos e pontuais. Uma das principais contribuições que essa norma já trouxe, afirma Kenedi, foi a implementação do Teste de Adequação de Passivo (TAP), em que, "independentemente da prática contábil adotada em cada jurisdição, as companhias seguradoras precisavam fazer um teste para avaliar se os seus passivos estavam adequadamente dimensionados em função da sua carteira seguindo uma metodologia de avaliação".

Com isso, se começou a criar maior segurança e uniformização. Caso haja a comprovação de que os passivos estão adequadamente dimensionados, nada precisa ser feito. Por outro lado, se há a comprovação de que não estão adequadamente dimensionados, ou seja, que estão subavaliados, é feito um requerimento de contabilização do complemento de provisão.

Basicamente, explica o sócio da PwC, Maurício Colombari, as alterações dizem respeito a como as seguradoras irão reconhecer a receita. "Até então a receita da seguradora é reconhecida em função do prêmio que é cobrado de um cliente. Esse prêmio era apropriado no resultado à medida em que a apólice ia avançando e de acordo com a sua vigência. O critério era relativamente simples para essa seguradora reconhecer o valor do prêmio como receita no resultado", diz Colombari.

O IFRS 17 estabelece um modelo mais complexo para reconhecer a receita de uma seguradora, pois se baseia em um modelo de fluxo de caixa descontado, ajustado em relação a esse portfólio de contrato de seguro e também por uma margem de serviço contratual.

Roberto Paulo Kenedi complementa que o IFRS 17 "é muito mais detalhado no que tange a reconhecimento, mensuração, apresentação e divulgação de um contrato de seguro". "De fato, a mudança traz consigo a necessidade de um conhecimento melhor da operação e de conhecimento do normativo contábil não só por parte do contador, mas também do auditor, do supervisor, do analista, do usuário da demonstração contábil", alerta o especialista.

Por isso, a principal orientação nesse primeiro momento de adequação à nova norma, em que as empresas ainda estão tentando entender os direcionamentos do IASB, é envolver todos os setores das seguradoras. "A organização inteira é responsável por poder gerar a informação que vai ser objeto final da contabilização. Isso vai mudar um pouco a cultura de como a contabilidade é vista pelas companhias seguradoras", indica o coordenador do GT no Ibracon.

Em um segundo momento, a dica é o investimento em Tecnologia da Informação (TI) para suportar essa nova forma de contabilização. De acordo com o Ibracon, pesquisas feitas em empresas que já estão mais adiantadas no processo de implementação destacam os gastos com TI. "Porém, à medida em que são feitos esses investimentos também são revisados processos e pessoas. Isso tem impacto na organização como um todo", salienta Kenedi.

Várias seguradoras já iniciaram seus esforços para a implementação do IFRS 17 com projetos em diferentes fases, desde análises iniciais de deficiências e dimensionamento até avaliações técnicas e de impactos nos dados e sistemas relativas aos grupos como um todo. Algumas passaram até a considerar o desenvolvimento de sistemas.

Adequação à norma está no topo das prioridades

Para o sócio da PwC, Maurício Colombari, as seguradoras colocaram a adequação ao IFRS 17 no topo das prioridades atuais. "Quando você pega o balanço de 2017 das seguradoras você pode até ver que já tem uma nota divulgando conhecimento sobre a nova norma, mas que ela ainda está representada naquela demonstração por que não entrou em vigor, o que é de praxe quando tem uma nova norma contábil", comenta.

A ideia é que de fato essas empresas já estejam trabalhando, mesmo antes da implementação efetiva da norma, para entender os impactos. "Ninguém está pronto, mas existe sim um movimento", avisa Colombari, lembrando que as seguradoras estão preparadas para balanços cada vez mais complexos. Elas compõem um mercado regulado e por isso já passam por auditoria.

Contudo, o mercado poderá demorar um pouquinho para digerir os balanços das seguradoras a partir da entrada em vigor do IFRS 17. "O que de maneira geral as agências de risco e analistas dizem que pode ocorrer é que as clientes e demais empresas estranhem os resultados dos balanços. Em um primeiro momento é possível que o risco da seguradora aumente, enquanto todos estiverem tentando entender como a norma vai funcionar e como o balanço vai demonstrar", diz Colombari.

A expectativa é que no médio e no longo prazo, de fato as informações de todas as seguradoras sejam mais claras e comparáveis entre si e com as de outros países.

Brasil ainda aguarda emissão de CPC

A adoção da IFRS 17 no País ainda depende da sua incorporação ao arcabouço normativo brasileiro. O Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), coordenado pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) tem a incumbência de emitir os normativos contábeis no Brasil e já vem se debruçando sobre os documentos elaborados pelo IASB, mas ainda não publicou o pronunciamento final equivalente ao IFRS 17.

A partir da sua publicação, o pronunciamento deve ser recepcionado (ou não) pelos diversos órgãos reguladores. "Mas isso é apenas uma questão de tempo", afirma o coordenador do Grupo de Trabalho de Seguradoras do Ibracon, Roberto Paulo Kenedi. Hoje, Banco Central (BC) e Superintendência de Seguros Privados (Susep) já pedem demonstrações contábeis adequadas às IFRS.

O IFRS 17 foi um dos temas do XV Seminário Internacional do CPC realizado em 15 de outubro deste ano. Durante o encontro, a Susep recepcionou, com algumas restrições, praticamente todos os pronunciamentos relevantes emitidos pelo CPC.

Para a adoção do IFRS 9 e do IFRS 17 (Contratos de Seguros), a Susep previu, em seu plano bianual de regulação, o estudo do impacto das duas normas, como os aspectos práticos nas companhias e na supervisão. Resultado de pesquisa aplicada pela autarquia identificou que quase 70% das empresas do mercado de seguros serão impactadas pelo IFRS 17, mesmo que a Susep não adote a norma internacional. "Estamos olhando como o mundo está se preparando para adotar esse novo normativo", afirmou o coordenador de Monitoramento de Solvência e Contabilidade da Susep, Gabriel Almeida Caldas.

"A quantidade de regulação é diretamente proporcional à quantidade de demanda externa", afirmou o analista da Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Paulo Roberto Gonçalves Ferreira. Para Ferreira, se todos cumprissem as regras, só haveria a necessidade do Framework, da Estrutura Conceitual (CPC 00). Em sua opinião, pronunciamentos são produzidos para uniformizar condutas.

Ferreira disse que a regulação depende dos objetivos a que ela se propõe e, no caso da CVM, há o interesse dos investidores que precisam de informações com qualidade, oportunas, tempestivas e fidedignas para o mercado.

Contratos deverão ser analisados minuciosamente para tipificação

Mesmo aqueles contratos que não são de seguradoras e que não configuram claramente aqueles abrangidos pela norma devem ser analisados individualmente. Roberto Paulo Kenedi, do Ibracon, recorda o princípio básico da contabilidade de que a essência se sobrepõe à forma para explicar o porquê. "Independentemente da forma em que uma determinada operação for estruturada nós temos que analisar a sua essência, se, neste caso, essa operação não é contrato de seguro", determina.

Ele avisa que o IFRS 17 já traz uma definição bastante clara do que é um contrato de seguro. Caberá às organizações debater e compreender essa definição nos próximos anos. Um dos passos iniciais na implementação da norma deverá ser a identificação do contrato de seguro e a realização da sua segregação entre os eventuais diferentes componentes. "Haverá a obrigação de se fazer uma análise individualizada, em que deverá se identificar se existe componente de derivativo, componente de investimento ou se eu há componente de bens ou serviços atrelados ao contrato de seguros. Cada um deles vai ser contabilizados de forma distinta. Isso é algo que traz uma complexidade bastante grande a todo o processo", detalha Kenedi. "Após a segregação, será feita uma contabilização através da agregação de contratos de risco similares e de administração comum", complementa.

O IFRS 17 se aplica a todos os contratos de seguro. O modelo geral é a Abordagem por Módulos (BBA). Ele se baseia em um modelo de fluxos de caixa descontados, com um ajuste referente a riscos e diferimento de lucros antecipados por meio da CSM (Margem de Serviço Contratual), a qual não pode ser negativa.

Questões levantadas por quem iniciou o trabalho de adoção

  • Duração do projeto de implementação - Algumas seguradoras sugerem que precisarão de mais de três anos, considerando suas avaliações de impactos e traçando um paralelo com outros grandes projetos, em especial o regime Solvência II.

  • Será necessário tomar decisões com relação ao cumprimento dos cronogramas de relatórios de fim de exercício. As entidades sugerem que cumprir os cronogramas atuais talvez seja um desafio, devido à complexidade do IFRS 17.

  • A transição para o IFRS 17 representará, provavelmente, um desafio e uma oportunidade, pois a norma permitirá diversas simplificações e julgamentos, e as decisões relativas à CSM na transição poderão afetar a geração de lucros durante muitos anos subsequentes.

  • O IFRS 17 demandará muitos recursos. Nas empresas, haverá necessidade de maior coordenação entre as áreas atuarial, de finanças, gestão de risco, operações e TI. Externamente, haverá um grupo limitado de talentos capacitados a serem recrutados, e os esforços iniciais para garantir os recursos adequados serão importantes.

  • Administrar as expectativas do mercado. Os investidores e analistas expressaram sua preocupação de que os impactos do IFRS 17 sejam mais complexos, com mais variações do que esperavam originalmente. Caso o setor de seguros reduza seu custo de capital em comparação com outros setores, as seguradoras deverão considerar, com atenção, o seu "histórico do IFRS 17" durante o processo de adoção, além das métricas-chave que aplicarão após essa mudança.

  • Não é apenas uma questão técnica - há um consenso de que o IFRS 17 afetará os negócios muito além das áreas de finanças, atuarial e de desenvolvimento de sistemas. Os impostos sobre renda também podem ser afetados, tanto no perfil tributário de transição quanto no vigente.

  • Os dados são cruciais - as seguradoras estão percebendo que precisarão alterar, de maneira significativa, a forma como coletam, armazenam e analisam dados, já que o IFRS 17 muda o foco das análises de prospectivo para retroativo. Espera-se também que O IFRS 17 introduza um nível mais detalhado de mensuração.

Fonte: IFRS 17: A espera acabou/PwC Brasil